Os primeiros três meses de Pedro em seu novo trabalho estavam ficando exaustivos. Sua nova rotina envolvia muito cansaço, monotonia, uma cidade nova, poucas pessoas conhecidas e a responsabilidade de estar sozinho cuidando de si. Desde pequeno sonhava e se preparava para isso, e agora lá estava ele, iniciando a vida que desde sempre havia planejado para si. Ele tinha um bom emprego, ganhava bem trabalhando em uma empresa no centro da cidade, e a distância do escritório para seu apartamento era de apenas três quarteirões. Porém, durante esse pequeno percurso, ele passava por vários prédios, um banco, duas farmácia, e uma grande praça arborizada com um parquinho onde as crianças brincavam no fim da tarde, acompanhadas de seus pais ou de suas babás.
As crianças no parque tinham uma alegria estranha. A alegria tinha motivo, e eram motivos simples. Um sorvete, uma descida no escorregador, um empurrãzinho no balanço, uma corrida atrás de uma bola. Chegava a ser estranho para ele ver como tantos sorrisos saiam com tanta verdade e facilidade. As risadas das crianças eram tão altas que assustavam os pássaros.
Ele notava que todas essas crianças transpareciam uma alegria óbvia. Mas havia uma garota que roubava sua atenção pelo fato de que ela se encontrava mais distante de todas as outras, sob a sombra de uma árvore com um livro na mão. Por todos os dias que ali passara ele nunca viu sequer um vestígio de alegria na cara dessa menina.
Mas ele sempre prosseguia, ia para seu lar, tomava seu banho e fazia um chá. Enquanto tomava seu chá ele lia o resto do jornal que não conseguia ler por completo pela manhã, em seguida ligava a televisão e via por alto algumas noticias dos mais respeitados telejornais. Depois de pouco tempo de descanso pegava uma condução e ia para a faculdade meter a cara nos livros. Voltava para sua casa tarde da noite, comia alguma coisa e então se rendia ao descanso.
Sua rotina era cronometrada, ele nunca se encontrava disposto a fugir dela. Mas certo dia a coisa desandou. Problemas internos levaram a empresa a realizar cortes, e ele acabou por ser dispensado.
Sentiu seu chão tremer, como se a base sólida que ele havia conseguido construir com sucesso nesse pouco tempo de vida independente estivesse prestes a desmoronar. Como se todo sacrifício que ele houvesse feito fosse frágil diante de todo o mundo.
O dia todo fora frio, o céu estava nublado e a cidade cinzenta.
Ao final do expediente seguiu rumo ao seu apartamento, ciente de que essa poderia ser uma das últimas vezes que faria esse mesmo percurso nesse mesmo horário.
Ao passar pela praça viu todas aquelas crianças brincando. Ele então viu a garota de sempre, encostada sobre a sombra de uma árvore com o livro nas mãos e o olhar perdido no céu. Algo estranho lhe ocorreu e quase que por impulso aproximou-se da garota e perguntou com um tom de indignação:
- Por que você está sempre aqui, isolada dos demais?
- Por que são crianças, e não posso perder tempo com infância.
A resposta da criança a assustou.
- E você tem quantos anos?
- Onze. Sou quase adulta.
Ele jogou sua pasta no chão e sentou-se ao lado da garotinha, sem importar-se com os olhares estranhos que os adultos ali presentes lançavam-lhe com maldade.
- Meu nome é Pedro, qual o seu?
- Melissa.
- Então, Melissa, você ainda é uma criança. Devia aproveitar o tempo que ainda tem, não acha?
- E é o que faço, estou investindo no meu futuro.
Ele riu baixinho e a garota o encarou com um projeto de fúria desenhado nos pequenos olhos marrons.
Um sorriso inocente se formou em seu rosto quando ele lembrou que na sua infância a raiva não era nada presente. Era fascinante como toda discussão não durava mais do que algumas horinhas. O erro logo era perdoado, não havia lugar pra rancor na cabeça, e rancor sequer era uma palavra conhecida. Não havia sede de poder a ambição, nenhuma criança queria ser melhor do que a outra.
- Não desperdiça tua infância garota. Aproveita cada segundo, tu vai ter toda tua vida adulta pra investir no teu futuro. Vai ser feliz enquanto pode, quando você não tem nenhuma obrigação ou responsabilidade fica mis fácil de ser feliz.
- Eu preciso aproveitar cada instante que tenho, não vou deixar pra cima da hora.
Tornou a rir das palavras da pequena adulta. Olhou para a criança e a questionou com seriedade:
- O que você quer ser quando crescer?
A mocinha não pensou muito, com um gesto simples com uma mão afastou os cabelos da frente de seus olhos e disse:
- Eu quero ser segura. Ter minha casa, meu trabalho, minha família...
- E por que não espera pelo menos, sei á, mais dois ou três anos para começar a pensar nisso?
- Você é insistente demais, já te disse que não posso perder tempo.
Ele desistiu não estava com cabeça para tentar quebrar aquela cabecinha dura. Mas preocupava-se e não sabia o que fazer por aquela criança que estava abrindo mão de parte da vida dela por conta de um futuro incerto. Levantou-se, pegou sua pasta e murmurou:
- Tenta viver teu presente. Deixa o futuro para o futuro. Não planeja nada agora, vai evitar que se decepcione se acabar por não realizar o que você quer.
Deu dois ou três passos e foi surpreendido pela voz da menina questionando-o:
- E você Pedro, quando tinha a minha idade queria ser o quê quando crescesse?
Soltou um suspiro, sem olhar para ela respondeu:
- O mesmo que você, mas, acima de tudo, eu queria ser feliz.
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