Acordou poucos momentos após o sol ter nascido. Um vento frio entrou pela janela do apartamento, espalhando pelo quarto um cheiro úmido da rua. Ela girou na cama, esticou um pouco o braço e tocou o segundo travesseiro na cama.
O travesseiro estava vazio, seu marido não estava ali. Já era hábito, rotina, e ela deveria ter se acostumado com isso desde os primeiros meses de casamento.
Não podia queixar-se da índole de seu homem. Ele era bom, bem aparentado, carinhoso, trabalhador... E era exatamente esse o problema. Trabalhador ao extremo. Não acreditava que isso fosse um defeito, também não sabia se podia chamar isso de qualidade. Mas tinha certeza de que isso estava prejudicando o relacionamento.
Aquele homem era um exemplo, um ícone entre os parentes, colegas de trabalho e até mesmo entre alguns nomes políticos da cidade. Melissa tinha orgulho dele, e de tudo que ele havia conquistado com seu próprio suor. Porém o essencial mostrava-se ausente, uma vez que ela casou por amor a um homem e não a um patrimônio.
Levantou-se de sua cama, vestiu sua melhor seda e calçou suas pantufas. Seguiu então em direção à cozinha e o café da manhã estava na mesa. Era sempre assim. Ele não saia de casa sem passar as instruções do café da manhã para a empregada. Uma maravilha aos olhos, cardápio escolhido a dedo por ele, com cereais, frutas, iogurtes e muitas outras coisas. Serviu-se, não comeu com desgosto, mas também não estava satisfeita por estar ali sozinha. Ao terminar viu algo que não via sempre; levantou e pegou um bilhetinho azul preso a porta geladeira com um imã no formato de coração. A letra torta dele dizia: “Te amo, e não há coisa melhor no mundo do que acordar todo dia e te ver ao meu lado”.
Ela queria poder dizer o mesmo.
Ela podia dizer que o amava, mas não podia dizer como sentia ao vê-lo todo dia ao acordar.
Diariamente sentia saudades dos tempos de namoro, quando em seu quarto, ainda na casa dos pais, ambos desfrutavam da presença um do outro ao acordar pela manhã. Ela sempre acordava mais cedo e dividia seu tempo em dar mordidas em seu queixo e brincar fazendo movimentos circulares com os dedos nos pelos do peitoral dele.
Sentia falta dos primeiros tempos de casados, quando já na casa deles ainda tinham tempo de se amarem calmamente por alguns minutinhos pela manhã.
Ele trabalhava de segunda a sábado, mas ligava com frequência durante todo o dia. Conseguiam manter proximidade com a distância, davam um jeitinho pra tudo e algumas cinco ou seis vezes ao mês conseguiam almoçar juntos durante esses dias. A cada instante no telefone ele não hesitava no carinho, abusava de “amor”, “flor”, “querida”, “bebê” e trilhões outros adjetivos carinhosos. Sua voz não negava que a amava, e quase sempre era apenas assim, por telefone, que ele conseguia expressar claramente o que sentia.
Mas o coração dela batia em uma frequência diferente. Era mais intenso. Sentia fala do contato físico, do amor carnal e presencial. Não aguentava mais a ausência dele.
Ela estava abrindo mão de muita coisa, sem sequer perceber. Não trabalhava, pois ele a convenceu de que ela não precisava. Aos 29 anos ainda não tinha filhos, ele afirmava que ambos não estavam prontos para isso, quando por um lado apenas ele não estava. Ela tentava entender que ele só não queria ser um pai ausente e desleixado.
Um amor assim pode ter futuro?
O carinho escrito e ditado ao telefone não a dava satisfação.
Talvez o amor estivesse acabando. Talvez ela não mais o amasse, apenas gostasse. Mesmo que gostasse a ponto de perder o fôlego quando ele estivesse por perto e sentir sua alma e seu coração pesar com a ausência dele.
Ele lhe fazia um bem tão bom, mas tinha necessidade de um bem melhor.
Ela deveria fazer uma mala e pôr cada uma de suas necessidades, pois ela sabia exatamente quais eram. Enquanto houvesse duvida não haveria exata felicidade. Precisava arriscar escolher entre manter a certeza da pseudo-felicidade que ela tem e a incerta felicidade que ela pode ter.
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