Iatan GM: Interrupção



Bem assim vocês me encontram. Um pouco mais desarrumado do que de costume, com o cabelo mais assanhado do que nunca. O filho de vocês é só mais um corpo frio, jazido no chão mais frio ainda desse ginásio que cheira a morte.
Espero que encontrem forças para me desculpar por fazer vocês passarem por trinta e dois corpos até chegar ao meu. Parece crueldade, da minha parte, fazer com que vocês sofram agora que não sinto nenhuma mais dor. Saibam que isso nunca foi minha intenção.
A morte não dói. Pelo menos a minha não doeu.
A dor de morrer é pior para os que morrem um pouco e continuam vivendo.
Quando mais novo, lembro de que as pessoas me perguntavam o que eu queria ser no futuro. Eu nunca soube responder. Talvez porque lá no fundo eu já soubesse que não teria tempo de ser coisa nenhuma.

Seria egoísmo demais pensar só em mim. Nos meus momentos de pânico, que não duraram muito mais do que alguns minutos, eu pensava se aquilo realmente deveria estar acontecendo. Eu me perguntava quantas pessoas iriam colocar a culpa em Deus, ou simplesmente iriam preferir acreditar que ele fez isso por ter “algum plano” melhor para todos nós.
Foram minutos intensos de dança, de excitação, de felicidade e despreocupação. Meus problemas não precisavam me dominar naquele momento, eles tinham todos os outros dias para me controlar. Noites como essa me dava uma sensação de que meu mundo, de alguma forma, poderia melhorar.
Geralmente melhorava. Mas dessa vez foi diferente.
Vi a vida de muitos abandonando seus corpos. A música ainda alta estava sendo abafada pelos gritos, pelas tosses e pelo barulho dos corpos caindo ao chão. Filhos de alguém. Pais e mães de alguém. Amores da vida de alguém. Tanta coisa se perdida por culpa do fogo e da fumaça.
Meus pulmões, sem sucesso, buscaram ar. Qualquer ar limpo que me permitisse respirar. Não sei ao certo qual a sensação de morrer, desmaiar antes disso só me deu uma sensação estranha de dormir forçadamente.
Deus não teve nada a ver com o abrupto rompimento de nossas vidas. Minha vida (nossas vidas) foi tirada por outros homens, por animais racionais da mesma espécie que a minha. Foi o preço de uma atitude que não veio na hora certa.
Eu não estava pronto para dizer adeus, embora eu afirmasse muito que isso era uma das minhas vontades. Queria partir de forma justa, de forma digna.
Ao contrario do que dizem, há sim formas digna de se morrer. Uma morte digna se dá quando a vida enfraquece, escapa aos poucos. Quando todas as sementes que plantamos já estão crescidas, quando seus frutos começam a brotar. Eu ainda estava preparando o solo para plantar minhas sementes. Acho que ainda não era a hora certa para minha vida acabar.

O PhD deixa suas condolências aos familiares e amigos das vítimas do incêndio em Santa Maria. Desejamos força nesse momento.




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