Gita e sua Filha |
09 de Março
" Eu sei que ontem foi o dia da mulher, mas eu gostaria de saber, quando aquela porcentagem de mulheres que são violentadas, terão o seu dia. O fato é que comemoramos uma ocasião, e não uma situação. Juro que entendo as rosas, os presentes, a lembrança, os parabéns, mas também não entendo como passa despercebido, a função deste dia.
Pois para cada mulher que eu vejo um cortejo, vejo outra sendo abusada. Para cada rosa que uma mulher recebe, vejo outra recebendo como presente, um bofete. Para cada elogio de virtude, vejo outra sofrendo porque tem que lutar, ora por questão de sobrevivência, ora por questão de compatibilidades. Parece-me inclusive que este dia é uma maneira de dar um upgrade na moral da mulher, mas de jeito nenhum é um modo de repensar na condição da fragilidade feminina.
Algumas palavras evoluíram no dicionário, mas esquivaram-se da realidade. A submissão, apesar de parecer uma escolha atualmente, ainda é uma condição de vida para muitas. A valorização, capaz de ofertar independência, na verdade ainda é incapaz de praticar remuneração justa. O mérito, é um tipo de reconhecimento na boa teoria, porém continua sendo um triunfo machista.
Enquanto vejo certas mulheres procurando uma promoção de beleza nos jornais, vejo outra sendo notícia, estatística de morte. E procuro no meio de tanta informação, alguma ideia que favoreça ou alcance algum objetivo concreto e não abstrato. Ouço nas conversas paralelas que é obrigação do homem não marginalizar o que já conquistamos até agora, mas não ouço alguém afirmar que a educação já é capaz de mudar questões culturais, como por exemplo, não passar adiante da sua geração, o machismo.
Ás vezes penso que não há problema versus solução. O que há, é um número estarrecedor de gente oprimida, por fatores depressivos, o que existe é um senso comum desmedido, no lugar de conhecimento, esclarecimentos. Somos capazes de enxergar o outro na sua vida paralela e infernal, mas não tão capazes ou solícitos de interferir ativamente. Aquelas mulheres que justificam o dia 8 de março, e que morreram de forma desumana, não estão estampadas em outdoors de beleza, nas floriculturas, nos cartões e presentes, elas estão invisíveis, como aquelas que não passam de letras e imagens nos jornais...
Por ironia desta vida, completo 70 anos no mesmo dia destinado a todas as mulheres. E creio que não vou comemorar o próximo, não irei ouvir em algum noticiário que foi homologada a lei que dá o direito da mulher exercer seu cargo e função com o mesmo salário que seu pai ou marido. Não vou sequer conseguir ficar feliz, por ler que as estatísticas de violência contra a mulher estará abaixo de qualquer imaginário, ou que toda mulher tem seus direitos garantidos sem ressalvas. Não vou ouvir conversas paralelas de pais ensinando suas filhas que seu valor é incondicional, e que ela pode ser o que de fato quiser, sem se preocupar com resquícios do machismo. Provavelmente, não vou poder achar interessante, uma mulher que fez jus a função deste dia, estando ela em alguma atividade que beneficie a sua semelhante, ou que divulgue a necessidade real destas mulheres...
Por tudo isso, não quero desejar boas coisas, mas bons tratos. A minha mensagem é de reflexão, de reconciliação de cada consciência feminina, masculina e humana com esta data... Espero em algum lugar deste mundo livre, que toda mulher conheça o ativismo, pratique a felicidade independente do custo e que aceite apenas a sua superação e não a oferta de submissão moral. Espero de todo coração que sejamos absolutas e de toda razão, que nossos medos se esqueçam do passado. "
De mulher para mulher,
Gita
Essa carta é uma projeção do que vejo para o futuro. Pretendo envelhecer acreditando que estamos no caminho certo, de ponderar nossas necessidades e chegar a um objetivo sustentável. Essa é a carta que deixo para minha próxima geração, seja ela de mulheres ou homens... O importante é que respeitem a relação humana sob qualquer aspecto. E consequentemente, tomem ciência destas prioridades e que façam alguma coisa por isso.
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