Um filme bom te faz ir ao cinema uma vez. Um filme incrível te arrasta pelo menos umas três. E assim aconteceu com “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”, dirigido e roteirizado por Daniel Ribeiro, que também recebe os créditos pelo curta-metragem “Eu Não Quero Voltar Sozinho”, que deu origem ao longa que estreou nacionalmente no dia 10 de abril.
Leonardo é um adolescente cego, e consequentemente superprotegido pela sua família. Suas relações de amizade se resumem a uma única pessoa: a colega de classe Giovana, que o conhece desde a infância e possui um sentimento especial por Leo. A relação dos dois começa a ficar abalada quando Gabriel chega à escola, e rapidamente se aproxima da dupla de amigos, se tornando aos poucos bem presente na vida de ambos, em especial do protagonista cego.
Ghilherme Lobo, Tess Amorim e Fabio Audi dão vida, respectivamente, ao trio protagonista Leonardo, Giovana e Gabriel. Longe das grandes mídias, os jovens atores acertam na dosagem de carisma de cada personagem, sem estereótipos e exageros. O crescimento - pessoal e profissional - de cada um é perceptivelmente notado pelos que já viram o "Eu Não Quero Voltar Sozinho", afinal, o filme foi rodado alguns anos depois do curta que explodiu no Youtube em meados de 2011.
“Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” tinha tudo pra se tornar mais um clichê e passar despercebido. De cara poderia seguir por dois caminhos, um primeiro retratando com dureza as dificuldades de um cego, ou outro que nos apresentaria os dramas da homoafetividade da forma genérica, como tantos outros filmes fazem. Não optando por nenhum desses dois caminhos o filme conseguiu envolver a deficiência e a sexualidade de Leo em algo que todos os espectadores conseguirão se espelhar: aquela boa e velha transição que ocorre na adolescência, que normalmente vem acompanhada pela busca da independência pessoal.
Leo enfrenta sim suas dificuldades oriundas da deficiência, mas é tudo algo que não está longe do alcance de qualquer adolescente. O bullying na escola existe para todos, assim como a superproteção familiar também é algo frequentemente encontrado na vida de qualquer adolescente. O excesso de cuidado maternal é um dos maiores problemas de Leo, que luta cada vez mais pelo direito de se cuidar sozinho, buscando assim opções drásticas, como um possível intercâmbio. A cegueira aqui é só um detalhe a mais, adicionado numa fase pela qual todos nós atravessamos.
A homossexualidade (aliás, tudo) aqui tem uma abordagem simples. Ser gay não é exatamente o tabu do filme. Como alguns devem ter compreendido no curta, o sentimental é interior, Leo se apaixona por Gabriel sem sequer saber como ele é por fora. Embora demonstre preocupação em relação a si, como na cena presente no curta e no filme, na qual Leo questiona a Giovana se as outras pessoas o consideram bonito. A questão afetiva sobrepõe-se à sexualidade. Não restringir o conflito aqui, focando todo o filme no problema dos relacionamentos homoafetivos, é um dos grandes acertos do diretor.
Roteiro, direção e fotografia trabalharam muito bem a trama e dão ao filme um toque completamente particular. A edição conduziu bem o filme, foram pouquíssimos os momentos em que encontrávamos cenas que fugiam do contexto, ou não teriam alguma influência relevante no decorrer da história. O resultado de tudo é um filme visualmente bonito, que vai te colocar para pensar, e ainda vai te fazer sair da sala sorrindo. Vejam o trailer abaixo:
O filme já arrastou vários prêmios de diversos festivais internacionais, e pelo visto vai continuar fazendo isso durante um tempinho mais. Acessem a página do longa no Facebook para conferir onde ele está sendo exibido, e se o filme estiver em cartaz a sua cidade, se dê ao luxo de apreciar tal obra que raramente ganha o destaque merecido no nosso país.
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