3. "Eu tinha um bicho de pé que já era avô"

 


"Desde pequena, tenho uma facilidade muito grande de distinguir as intenções das pessoas, e isso me trouxe grandes descobertas, sobretudo em questões emocionais – e quando me refiro ao emocional, incluo elas e a mim.

Eu precisava dizer isso antes de falar sobre a personagem de hoje. Uma figura cativante, que desde o primeiro dia que botou o pé na sala de aula, naquele último ano de colégio em uma pequena e pacata cidade paulista, ganhou meu coração de forma avassaladora. Ela fazia os professores rirem e beijava os meninos mais duvidosos que essa história poderia contar.

Ela era totalmente fora da curva. Uma adolescente sem filtros – mas isso não queria dizer que ela era sem noção; muito pelo contrário. Ela tinha total ideia do que falava e fazia, inclusive se algo machucaria ou não alguém. Por mais que ela tivesse liberdade com as atitudes e palavras, ela nunca as usou para machucar alguém voluntariamente. Isso a fez uma pessoa doce e querida até os dias atuais. Aliás, comecei essa frase com o verbo no passado, quando na verdade o "fora da curva" também marca presença no hoje, mas de maneira mais tímida.

Acho que foi isso que me trouxe confiança e zelo por esta personagem. Ela aproveitava essa renúncia de filtro para fazer as pessoas rirem: rirem delas mesmas, ou dela própria, ou de qualquer coisa que poderia ser triste, mas que se tornava engraçado saindo de sua boca. A verdade é que ela sempre teve o dom de deixar todo mundo à vontade, mesmo que depois se arrependesse, quando percebia que o outro alguém não tinha o mesmo cuidado que ela de não machucar o outro.

E mesmo com as intempéries da vida, com todas as reviravoltas inconsequentes que a vida pode nos pregar, essa garota cresceu sem nem notar que caminhava sobre pedras árduas. Ela se perdeu um momento aqui, outro ali, se deixou levar por crenças que a expuseram como jamais fora exposta um dia, mas como diz aquele velho ditado, ela fez daquele limão uma limonada.


E assim seguiu a vida continuando a sorrir.





Ela continua a sorrir para todo mundo. Distribui abraços em terrenos cheios de ervas daninhas, perdoou várias pessoas que a fizeram chorar por tantas e tantas vezes, porque a boca sem filtro fez do coração dela moradia para quem quisesse ficar. Se vestiu de palhaço e foi fazer o que sempre soube fazer de melhor a quem não via mais motivo algum para sorrir na vida. Se emaranhou em braços muito apertados, mas que jamais fizeram com que ela perdesse a fé no amor ou nas pessoas. Ela nunca parou de sorrir mesmo quando tudo parecia dor.

Mesmo quando ela perdeu um pouco de si, fisicamente falando.

Mesmo quando, anos atrás, ela perdeu quem iluminava o chão escuro onde ela pisava.

Mesmo quando se viu sozinha em momentos da mais pura escuridão.

Mas ela sempre bateu a poeira e continuou a trilhar, sem desistir de fazer todo mundo sorrir.

Quanto a mim: eu sempre acompanhei essa trilha do meu camarote. Aquele que ela me confiou com a vista mais privilegiada desde aquele primeiro dia que ela botou o pé na sala de aula. Em alguns desses momentos, ela já chegou a salvar minha saúde, o meu dia, a minha dignidade e o meu emocional. Ela já secou tanto o meu choro, já me fez vítima tantas e tantas vezes de seus ataques de alegria, e longe ou perto, sempre senti sua presença constante em cada um dos meus dias. Bendito o dia que eu li essa garota de coração generoso (até demais), que me dei conta que suas intenções era de oferecer overdose de aconchego para todo mundo que se permite entrar na onda dela. Bendito o dia que falei “oi, senta aqui” para ela, que se tornaria alguém que não vivo mais sem.

A personagem três dessa saga de mulheres incríveis é movida a simplicidade e alegria. E isso é suficiente para encher o seu dia de pequenos momentos inesquecíveis. A personagem três sempre me mostrou que os melhores momentos não são regados à gastos – se é com a pessoa certa, um silêncio confortável é suficiente para se tornar marcante. Assim como brigadeiros de panela, macarrão com bichinhos, filmes bons ou ruins ou dias preguiçosos no portão de casa ou no sofá. Ouvir suas histórias de vida sempre será um privilégio, afinal de contas, não conheço ninguém nessa vida que teve um bicho de pé que já era avô.

É alguém que demorou muito para aprender a falar “não”, mas quando aprendeu, viu que faz parte da nossa autoproteção – porque nem todo mundo usa a falta de filtro da mesma maneira benevolente que ela, sabe?

É alguém que cresce todos os dias olhando o mundo sem sombras. Que mesmo com medo, não perde a fé que seu coração incrível ainda faz pulsar: fé e esperança. Isso é tão inspirador que vocês não imaginam.


A personagem três se chama Selma.

 

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