Esboço, de Rachel Cusk




Quando Esboço foi publicado originalmente, em 2014, um pequeno furor tomou conta do mundo literário. Como era possível uma trama tão simples e uma escrita tão desprovida de artifícios produzir um efeito tão poderoso? Uma escritora vai a Atenas, num verão particularmente quente, para ministrar um curso de criação literária. Ela propõe aos alunos exercícios de narrativa. Ela vai a restaurantes com amigos. Ela sai para um passeio de barco com um grego que encontra no avião. As pessoas a seu redor falam livremente sobre suas fantasias, ansiedades, teorias, arrependimentos e desejos. A vida familiar ocupa o centro das conversas: relacionamentos interrompidos, casamentos frustrados, os dilemas da maternidade, as encruzilhadas profissionais à medida que a idade avança. Esboço é o primeiro de livro de uma trilogia magistral ― os seguintes são Trânsito e Kudos ―, a ser lembrada como uma das grandes conquistas literárias do nosso tempo.

Sinopse da editora


“Jamais conseguiria reproduzir em mim mesmo aquela tensão específica: a vida mandando você em uma direção e você fazendo força em outra, como se estivesse discordando do seu próprio destino, como se quem fosse estivesse em desacordo com quem dizem que você é.”


Eu queria ter escolhido mais a dedo o momento para ler o primeiro livro da trilogia de Rachel Cusk. Tinha acabado de sair de uma leitura decepcionante, e estava em busca de uma história que me tirasse dessa ressaca. Esboço não é uma história que te serve essa missão: é um livro que te faz analisar o comportamento humano, na verdade. 



E isso é feito de uma maneira não linear: aqui temos diversos depoimentos de vida ou de acontecimentos de pessoas aleatórias que a protagonista do livro encontra durante a sua curta passagem por Atenas. As pessoas não se vinculam umas as outras, e nem a trajetória da protagonista, muito pelo contrário: a forma como esses depoimentos são apresentados ao leitor demonstra que essas pessoas, tão autocentradas, sequer prestam atenção à protagonista/interlocutora. Ninguém pergunta nada sobre ela, logo, o leitor também não conhece muito a respeito de quem deveria ser o destaque da história. Mas isso, de forma alguma, é um defeito do livro - só faz a gente refletir sobre tal comportamento mesmo. 

“Aprende-se muito rápido que nosso filhos só são imunes ao nosso próprio julgamento. Se o mundo os considera deficientes, você tem de aceitá-los de volta..”


Enfim, vou deixar para ler o segundo livro da saga em um momento bem oportuno - quero degustar melhor todas as palavras e percepções de Rachel Cusk em minha própria experiência. 


Alguns outros trechos incríveis que demarquei durante a minha leitura:

“Lembrei-me de como, quando cada um de meus filhos era bebê, eles derrubavam as coisas do cadeirão de propósito para vê-las cair no chão, atividade tão pra-zerosa para eles quanto eram terríveis as suas consequências.

"Fitavam o objeto caído - um biscoito mordido ou uma bola de plástico — e iam ficando cada vez mais agitados porque ele não retornava. Depois de algum tempo, começavam a chorar, e em geral constatavam que por essa via o objeto caído voltava para a sua mão. Sempre me surpreendia que a sua reação a essa cadeia de acontecimentos fosse repeti-la: com o objeto de novo em mãos, eles o largavam outra vez, e se inclinavam para vê-lo cair. Seu prazer nunca diminuía, e tampouco seu sofrimento. Eu sempre imaginava que em algum momento eles fossem entender que o sofrimento era desnecessário e decidiriam evitá-lo, mas isso nunca acontecia. A lembrança do sofrimento não tinha absolutamente nenhum efeito sobre o que eles resolviam fazer: pelo contrário, instigava-os a repeti-lo, pois o sofrimento era a mágica que fazia o objeto voltar e tornava o prazer de largá-lo possível outra vez. Se eu tivesse me recusado a devolvê-lo da primeira vez que eles o deixassem cair, imagino que teriam aprendido algo bem diferente, embora eu não soubesse ao certo o que poderia ter sido.”

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“Ao olhar para a familia no barco, via uma imagem daquilo que eu não tinha mais: em outras palavras, via algo que não estava ali. Aquelas pessoas estavam vivendo no seu presente, e embora eu pudesse ver isso, não podia retornar àquele momento, da mesma forma que eu não podia andar por cima da água que nos separava. E dessas duas formas de vida - viver no presente e viver fora dele -, qual era a mais real?”

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“Às vezes já me pareceu que a vida é uma série de punições para tais momentos de desatenção, que uma pessoa molda o próprio destino com aquilo em que não repara ou pelo que não sente compaixão; que aquilo que você não sabe e não se esforça para entender vai se tornar exatamente a coisa que você será forçado a conhecer.”

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“As partes sufocantes da vida são muitas vezes aquelas que são a projeção dos desejos de nossos pais.”

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