Depois que o coração para de bater, o cérebro permanece ativo por 10 minutos e 38 segundos. Para Leila Tequila, uma prostituta de Istambul que acabou ser assassinada, cada um desses preciosos minutos traz à tona uma memória: o gosto do guisado de bode sacrificado pelo pai para celebrar o esperado nascimento de um filho, o cheiro de limão e açúcar da cera que as mulheres usavam para se depilar na sala de estar de sua casa, o gosto do café de cardamomo que ela toma com um estudante bonito no bordel em que trabalha. Essas memórias, que se esvaem nos breves minutos que lhe restam, trazem de volta as amizades que ela formou em sua vida agridoce, amigos que agora estão desesperadamente tentando encontrá-la.
Profundo, brutal e emocionante, 10 minutos e 38 segundos neste mundo estranho traz em suas páginas um vórtice de dor e beleza. Elif Shafak apresenta uma história sobre trauma, violência sexual e as agruras da vida das mulheres turcas, que estão sujeitas a um sistema social cruel, regido pelo regras e amarras do patriarcado.
"A possibilidade da dizimação imediata e completa da civilização não era nem de longe tão assustadora quanto a simples compreensão de que a nossa morte individual não tinha nenhum impacto sobre a ordem das coisas, de que a vida continuaria exatamente igual com ou sem nós. Isso, ela sempre pensara, era aterrador."
A história de Leila Tequila, ou o fim dela, foi muito bem escrito pela autora. Cada capitulo sendo remetido à uma memória de sua vida, engatilhada por um cheiro ou sabor, é uma maneira romântica de amenizar o choque que é de saber que cada minuto contado ali é o cérebro de uma pessoa morta se apagando. Diferente de O poço e o pêndulo, de Edgar Allan Poe, aqui nós não encontramos uma história que é narrada com o terror da morte, mas sim com a sentimentalidade do que levamos dessa vida.
Embora Leila seja uma personagem que carregou muitas dores ao longo de sua jornada, ela foi lindamente recompensada com a amizade verdadeira de 5 pessoas que a sociedade considera desajustadas. Desajustadas aos olhos de quem nem faz questão de conhecê-las, porque para Leila, foram pessoas que preencheram a sua vida de amor de um forma muito mais genuína do que sua própria familia não foi capaz.
Este livro traz uma reflexão muito necessária sobre inclusão e violência. Eu demorei mais do que o normal para finalizar essa leitura, mesmo o livro sendo curtinho, pois a história é tão densa que eu precisei de um tempo em diversas finalizações de capítulos, pois em alguns momentos eu senti alguns gatilhos. É uma história agridoce, mas extremamente necessária.
Já nos agradecimentos do livro, a autora escreveu alguns dados que acho pertinente encerrar esta resenha com eles:
"Até o ano de 1990, o Artigo 438 do Código Penal Turco era usado para reduzir a pena de estupradores em um terço se eles conseguissem provar que a vítima era uma prostituta. Legisladores defendiam o artigo com o argumento de que 'a saúde mental ou física de uma prostituta não podia ser afetada de maneira negativa pelo estupro'. Em 1990, um número crescente de ataques contra profissionais do sexo motivou protestos furiosos em diversas partes do país. Por essa forte reação da sociedade civil, o Artigo 438 foi revogado. Mas, desde então, surgiram poucas leis no país que buscaram aumentar a igualdade entre os gêneros, ou, especificamente, melhorar as condições de profissionais do sexo."
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